sábado, 2 de maio de 2009

Humanidade Transbordante

Humanidade transbordante

Depois de queimar muitos neurônios, cheguei à conclusão de que os relacionamentos modernos funcionam, paradoxalmente, como uma maneira de não se relacionar. Um claro exemplo é o fenômeno “ficar” e suas múltiplas variações: ficar sério, ficar por ficar, ficar por uma noite, ficar fixo, ficar com amigo, ficar com sexo, ficar sem sexo, ficar do adolescente, ficar da meia idade, ficar, ficar, ficar...
Este verbo nunca foi tão explorado! Tantas designações comportando um único sentido...
Ainda que incorrendo o risco de cair na armadilha do discurso comum, vale lembrar que a sociedade capitalista - que tem como um de seus pilares o consumo -transformou tudo em mercadoria, inclusive as pessoas. Sim, somos todos produtos ambulantes, usáveis, rotuláveis, descartáveis e com prazo de validade curtíssimo.
Na era da individualidade, não existem encontros de fato.Os muros de vidro refletem a nossa própria face e nos impedem de enxergar além. Tão fascinados estamos com a nossa própria imagem, que não conseguimos experimentar alteridade, e muito menos aprendemos com ela.
Assistimos hoje ao espetáculo do absurdo, no qual, o ser humano tenta se desvencilhar do atributo mais humano que possui, e o torna singular, diferente dos bichos e plantas: a capacidade de sentir, de afetar-se, de amar.
Resta o que então?
Resta o resto do que fomos outrora, resta a negação do que somos na vã tentativa de parecer o que não somos. E se por acaso durante aquela “ficada” despretensiosa a nossa humanidade nos prega uma peça e transborda pelas frestas, deixando transparecer a nossa condição de reles mortais, ficamos envergonhados e frágeis como crianças.Como se fosse errado sentir, como se estivéssemos cometendo um assassinato em série ou promovendo uma hecatombe nuclear.
Proponho levantar agora a bandeira da não rendição, daqueles que se orgulham de ser o que são, dos que não têm medo de sentir, e pagam o preço por sua ousadia. Meus cumprimentos aos corajosos! Àqueles que pulsam, e entre diástoles e sístoles encontram um motivo sempre maior para viver. Àqueles que vivem pra amar e amam até morrer.

Um comentário:

  1. Putz, por um momento pensei estar lendo um texto do Bauman. Conhece? Ele é um filósofo que escreve coisas do tipo, "amor líquido" ou "sociedade líquida"

    Parabéns Érica!!!

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